O mercado de food service foi um dos primeiros a sentir o impacto da pandemia em 2020, se estendendo por 2021 e também pelo ano que termina agora. A diferença é que 2022 também foi um ano de retomada, mas as dores deixadas pela pandemia ainda podem ser sentidas (falando exclusivamente dos aspectos econômicos) no valor elevado dos alimentos, na queda da renda da população e no endividamento, que também dificulta a retomada do consumo.
Se as dificuldades ainda estão no retrovisor ou presentes de fato, também os aprendizados oferecidos pela situação extremamente adversa estão frescos na memória dos empreendedores do setor, o que permite fazer um balanço do que o momento pode ensinar para um futuro mais promissor.
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A pandemia de coronavírus acabou atingindo em cheio o desempenho do segmento de alimentos e bebidas. Apesar de as empresas venderem bastante para supermercados, há uma grande participação do consumo em restaurantes, sorveterias e lanchonetes, que estiveram fechadas em boa parte de 2020 e 2021. Ou seja, toda a cadeia sofreu um baque.
“Muitas empresas do setor tiveram que ir buscar dinheiro em banco e negociar impostos para dar a volta por cima neste momento”, diz Martin Eckhardt, empresário do ramo de sorvetes e presidente da Abrasorvete (Associação Brasileira do Sorvete e Outros Gelados Comestíveis).
Eckhardt foi um dos participantes do evento online de lançamento da pesquisa O Futuro do Food Service 2022, realizada pela Fispal Food Service e Fispal Sorvetes em parceria com a Empresa Júnior Fundação Getulio Vargas (EJFGV), que tem como objetivo fazer um retrato do setor de alimentação e serviços relacionados.
O empresário diz que, de modo geral, 2022 tem sido o ano em que as empresas do segmento veem “uma luz no fim do túnel, com retomada do faturamento”, que é o primeiro sinal de recuperação para um futuro promissor.
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Além disso, o pós-pandemia, que se avizinha, deve contar com empresas mais maduras, avalia Eckhardt. “A parte digital, de vendas online, que antes praticamente não existia para sorvetes, começa a ter uma participação forte entre algumas empresas, mesmo com desafios extras que temos, como o fato da preservação de um produto congelado”, diz.
Eficiência
A rentabilidade das empresas que trabalham com sorvetes caiu sobremaneira durante a pandemia, assim como em todo o setor de comestíveis. Esse problema foi acrescido de um aumento além do esperado da inflação de produtos essenciais ao segmento de gelados comestíveis, como leite e insumos importados. Os impactados foram sentidos não só pelo aumento do preço dos alimentos no mundo, mas também pelo encarecimento do frete diante da paralização de todo o sistema logístico.
Esses problemas, acrescidos dos custos de manutenção de máquinas, ainda perduram em algum grau para as empresas do setor de alimentos como um todo, mas a sensação é de alívio com relação ao período mais duro da pandemia, com o aumento da eficiência do setor.
“As empresas acabaram aprendendo a reduzir todos os seus custos, renegociando com fornecedores e prestadores de serviços, mas, principalmente, reinventando seus negócios, para fazer uma revisão da administração, da logística e de outras atividades da empresa”, diz o presidente da Abrasorvete.
Recursos humanos
Outro aprendizado que fica para o setor é a importância dos profissionais, já que durante boa parte da pandemia, a mão de obra teve que ser afastada do ambiente de trabalho para reduzir o número de casos de contaminação e a força dessa contaminação.
Diante disso, não só a importância do trabalhador, mas de uma mão de obra qualificada, ficou ainda mais evidente. Para que o setor de food service e de alimentação como um todo possa alcançar novos patamares de eficiência em um mercado que se espera mais aquecido, esse aperfeiçoamento da capacidade dos colaboradores é essencial.
Essa é a percepção de Fernando Blower, diretor executivo da ANR (Associação Nacional de Restaurantes), que também esteve no lançamento da pesquisa O Futuro do Food Service. Ele destaca que, para algumas empresas, a dificuldade de contratar é maior do que as preocupações com a inflação, o que parece estranho para um setor que, em alguns momentos, ultrapassa o de supermercados em número de pessoas contratadas, especialmente de jovens entre 18 e 24 anos em situação de primeiro emprego.
Ele diz que é preciso identificar maneiras de atrair mão de obra, e que a oferta de plano de carreira pode ser uma solução, reconhecendo que o setor tem uma limitação relacionada à expansão do salário. “Tem que olhar também para as pessoas e perguntar como é possível ser mais atrativo e mais interessante para os candidatos. Afinal, o setor é feito de pessoas e para pessoas. E tanto funcionários quanto clientes são potenciais representantes das marcas”, avalia.
Se, entre 2020 e 2021, “palavras como resiliência deram o tom no setor”, segundo Blower, agora é o momento de focar em outros aspectos do negócio, “e eficiência e agilidade estão na pauta”, diz. E a boa aplicação desses conceitos vai depender da qualidade da equipe e de seus líderes.
“É preciso começar a virar essa chave, e o legado positivo de quem chegou até aqui é que o negócio e os profissionais ganharam mais competência. E quem aprende não desaprende, mesmo com novos entrantes. As dores da pandemia podem ajudar as empresas e os profissionais envolvidos a se consolidarem no mercado”, conclui o representante da ANR.
Desafios enfrentados pelas empresas de food service em 2022
2022 encerra com bons números para o food service. Após períodos turbulentos, o setor deu início à recuperação dos níveis pré-pandemia. De acordo com o estudo CREST realizado pelo Instituto Foodservice Brasil (IFB) em parceria com Mosaiclab, os consumidores tiveram um gasto de 56,5 bilhões de reais no último trimestre do ano. Em comparação ao mesmo período do mesmo passado, o crescimento foi de 10%.
Além disso, o ticket médio subiu em 8%, chegando a 19,27 reais. O fluxo de visitação nos em bares, restaurantes, lanchonetes, cafeterias e demais estabelecimentos também apresentou um aumento de 2%.
Mas, apesar dos resultados positivos, o segmento de alimentação fora do lar enfrentou alguns desafios ao longo do ano.
Inflação
Uma pesquisa realizada pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR), consultora Galunion e pelo IFB, mostrou que a inflação foi considerada o maior desafio enfrentado no setor em 2022 por 83% dos representantes das empresas de food service.
O estudo contou com a participação de 817 instituições de todo o território nacional, com perfis diferentes, redes e negócios independentes que representam 14 mil lojas.
Assim, despesas como as do aluguel, Custo da Mercadoria Vendida (CMV) e outras que se manteram em alta durante todo o ano, pesaram no bolso dos empreendedores e se tornaram, dentre outras questões, uma de suas maiores preocupações.
Digitalização nos estabelecimentos
A digitalização e automatização dos processos também foi vista como um desafio para os estabelecimentos de food service. A utilização de ferramentas tecnológicas em bares, restaurantes e lanchonetes é fundamental, pois agiliza atividades e permite que algumas atribuições sejam realizadas com mais eficiência, como o atendimento.
No entanto, com a inflação, a implementação de tecnologias se tornou inviável para algumas empresas.
Mudança de comportamento do consumidor
A situação financeira no período pandêmico afetou diretamente os hábitos de consumo dos clientes no food service e os reflexos deixados pela crise sanitária se manteve, mesmo depois de dois anos.
Segundo pesquisa feita pelo The Good Food Institute (GFI), em parceria com o Ibope, 49% dos brasileiros buscaram se alimentar melhor em 2021 e 2022. Outro estudo conduzido pela One Poll mostrou que a ingestão de frutas e verduras aumentou em 51%.
Assim, os profissionais da indústria alimentícia precisaram se atentar sobre a utilização dos ingredientes naturais e saudáveis, e informar os benefícios para a saúde em suas embalagens para conquistas a confiança do consumidor.
Além disso, algumas empresas precisaram adotar uma comunicação assertiva e transparante com o mercado e o próprio cliente, a fim de deixar claro todo processo de produção, desde a obtenção da matéria-prima, a distribuição e o consumo dos alimentos.
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Importância do food service para o mercado
O setor de food service é responsável por movimentar uma parcela importante da economia nacional. Somente em 2022, o segmento atingiu um gasto de 216,2 bilhões de reais no Brasil (28% acima do registrado em 2021), um recorde histórico.
Assim, o fator econômico já demonstra a importância do setor de alimentação fora de casa. Para a indústria alimentícia, o mercado, ainda se revela como uma oportunidade para os negócios encontrarem espaço para crescer. Se considerarmos que o número de consumidores que procura por opções diferentes e práticas de refeições para compor sua rotina expandiu nos últimos anos, as chances de desenvolvimento dessas empresas são ainda maiores.
Características das empresas food service
Diversidade é o adjetivo que melhor caracteriza o food service brasileiro. Como se sabe, ele é composto por um conjunto de empresas que podem ser divididas em produção, indústria e operação. Nesse último, nota-se uma forte presença de negócios familiares, criados por profissionais que iniciam suas operações de forma caseira e expandem.
Essa característica vai ao encontro da busca do consumidor por alimentos mais saudáveis. Além disso, essa particularidade traz o olhar para o pequeno negócio, iniciativa que vinha se acentuando antes da pandemia, mas agora ganha corpo e se apoia em grandes organizações.
Mercado food service nos últimos anos
O mercado de alimentação fora do lar apresentava um bom desempenho antes da pandemia da Covid-19. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (ABIA), o faturamento desse setor cresceu cerca de 85% entre 2010 (período em que o país passava por uma de suas maiores crises financeiras) e 2016. Nesse último ano, movimentou 184 bilhões de reais.
Em 2017, a receita real do segmento avançou 1,5% em relação a 2016, de acordo com a Abrasel. Dois anos depois, em 2019, o cenário permaneceu estável. Somando food service e varejo alimentício, o faturamento total chegou a 560 bilhões de reais.
Em contrapartida, em 2020, o segmento foi bastante impactado pelas restrições à circulação de pessoas, o que provocou o fechamento de muitos restaurantes, bares, bistrôs, lanchonetes, entre outros estabelecimentos. Naquele ano, houve retração de 24% na receita, rompendo com a fase positiva observada ao longo dos períodos anteriores. Depois disso, o setor registrou um crescimento de 26% em 2021, somando a um total de 176,3 bilhões de reais.
A melhora se manteve em 2022 e, para 2023, as expectativas são otimistas, com projeções de 300 bilhões de lucro, um crescimento expressivo em relação a esse ano.
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Principais tendências food service para os próximos anos
Após um período turbulento, o mercado de food service se prepara para uma nova retomada e, por isso, algumas tendências já estão sendo observadas para os próximos anos.
Seguindo na mesma direção dos anos anteriores, os consumidores continuarão alinhando seu consumo às principais pautas de sustentabilidade e alimentação saudável. Além disso, é esperado o aumento no uso de embalagens sustentáveis, alinhadas às necessidades e valores do consumidor.
Outras tendências também devem guiar o setor, como a automatização do atendimento, take Away (retirada no local), experiência do consumidor em foco, permanência do delivery, porém, com uso intensivo das tecnologias e dark kitchens, um modelo de negócio no qual os restaurantes são operados exclusivamente para entregas, sem espaço físico para receber clientes.
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