Os cereais são considerados a base da alimentação humana, sendo consumidos na forma de grãos (tais como o arroz e milho), ou na forma processada, através de farinhas, pães, bolos, dentre outras opções. Possuem uma composição nutricional muito rica e para que estejam isentos de contaminação e seguros para o consumo é importante manter a qualidade do produto, impedindo principalmente a infestação por coleópteros (carunchos), lepidópteros (mariposas) e por fungos, tais como aqueles dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium. Esses fungos podem produzir substâncias tóxicas denominadas micotoxinas, que podem contaminar os grãos e causar intoxicações graves em humanos e animais.
Nesse sentido, a utilização do ozônio (O3) no armazenamento de grãos pode ser um forte aliado no controle de contaminações por fungos, insetos e ácaros. A ozonização, nome atribuído a tecnologia na qual utiliza-se o ozônio, é considerada sustentável, já que o ozônio pode ser gerado a partir do oxigênio e direto no local onde será aplicado e, após reagir com o alimento, não deixa resíduos, se decompondo em oxigênio (02).
A ozonização de alimentos recebeu aprovação GRAS (“Generally Recozined as Safe”), sendo então considerado seguro para aplicação como sanificante em alimentos pelo FDA (Food and Drug Administration), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, bem como no Canadá, Japão e Europa. No Brasil não há regulamentação específica para ozonização de alimentos e por ser um procedimento que não deixa resíduos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não exige solicitação de autorização para essa finalidade. Já para a ozonização aplicada na desinfecção de água deverão ser adotados os procedimentos descritos na Portaria GM/MS nº 888 de 2021, do Ministério da Saúde, que determina a concentração e tempo de contato de 0,34 mg.min/L a 15 ºC.
Para a produção do ozônio, o equipamento mais utilizado atualmente é o ozonizador por descarga de corona, responsável por “quebrar” a molécula de O2 e formar então o O3. Quando comparado a outros agentes oxidantes o O3 se destaca por ser um sanificante extremamente oxidante (capacidade de roubar elétrons e consequentemente romper ligações químicas), possuindo 2,07 mV de potencial oxidante, bem maior que o hipoclorito de sódio (1,49 mV), que é muito utilizado como sanificação de alimentos. Na figura abaixo é demonstrado um sistema para ozonização de cereais com silos experimentais de PVC, em escala laboratorial.
Sistema de ozonização de cereais em silos experimentais de PVC demonstrando: 1- cilindro de oxigênio utilizado como insumo da produção; 2- equipamento ozonizador, responsável por transformar o O2 em O3 por meio de descarga elétrica. 3- silos experimentais onde é possível ozonizar até 5 Kg de grãos em cada; 4- Válvulas de cobre utilizadas para abrir ou fechar o fluxo de ozônio; 5 - Frascos com solução de iodeto de potássio responsável por neutralizar o ozônio, impedindo que escape para o ambiente. Foto: Otniel Freitas-Silva.
Atualmente, a ozonização tem sido cada vez mais utilizada como uma ferramenta de manutenção e melhoria da qualidade dos cereais e demais matérias-primas alimentícias. Assim, alguns estudos apontam a eficiência dessa tecnologia, como por exemplo, quando aplicado em grãos de trigo na concentração de 60 mg/L por 5 h é capaz de reduzir fungos produtores de micotoxinas e degradar as aflatoxinas B1, B2, G1 e G2, sem alterar as características sensoriais dos grãos [1,2]. Em grãos de milho, um dos cereais mais cultivados no Brasil e muito utilizado pela indústria de alimentos na produção de derivados, como a canjiquinha (grits de milho), a ozonização aplicada na concentração de 60 mg/L por 8 h reduziu 57% os níveis de aflatoxinas e também a contaminação microbiana [3].
Outra aplicação importante é durante o armazenamento de cereais, sendo que é muito comum o alimento permanecer armazenado por muitos meses, podendo ter infestação por insetos e ácaros. Para o controle dessas pragas normalmente é utilizado a fumigação com inseticidas, porém muitos insetos estão criando resistência aos produtos usados. Nesse sentido, o ozônio como inseticida e acaricida apresenta grande vantagem pois é eficaz na eliminação dessas pragas de forma rápida e segura, sem deixar resíduos no produto armazenado. Na figura abaixo é demonstrado grãos de milho armazenados com tratamento por ozônio, apresentando excelente qualidade, ausência de insetos, ácaros e fungos.
Grãos de milho tratados com ozônio apresentando alta qualidade e ausência de contaminação por fungos, insetos ou ácaros. A tecnologia de ozonização é muito eficaz para manter a qualidade dos grãos durante longos períodos de estocagem e deve ser aplicada em conjunto com as Boas Práticas de Armazenamento.
Considerações finais
O ozônio tem grande potencial de aplicação na indústria de armazenamento, transporte e processamento de cereais, aumentando assim a segurança no consumo dos produtos obtidos a partir de tais matérias-primas. São necessários mais estudos científicos com objetivo de compreender quais modificações que a ozonização pode causar na qualidade de cada tipo matéria-prima e assim, definir condições ideais de concentração e tempo de aplicação do O3 para cada tipo de alimento. É importante ressaltar os cuidados à saúde que os manipuladores devem ter durante os procedimentos de ozonização de alimentos. Assim, o uso de máscaras, luvas e o isolamento da matéria-prima são recomendados. Por ser um agente oxidante, o O3 é tóxico e não pode ser inalado, devendo-se tomar todos os devidos cuidados.
Além disso, é importante que as instituições governamentais e os institutos de pesquisas realizam estratégias para a maior popularização e implementação da ozonização por produtores rurais e agroindústrias, principalmente considerando que a ozonização é uma tecnologia limpa, amplamente estudada e reconhecida pela comunidade científica, mas, ainda pouco aplicada industrialmente no Brasil.
*Por Leonardo Nascimento Ireno, da UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei; Caroline Correa de Souza Coelho, da UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; Otniel Freitas-Silva, da Embrapa - Agroindústria de Alimentos; e Felipe Machado Trombete, da UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei.
Referências:
1 .Trombete, F. et al.(2016) ‘Chemical, Technological, and Sensory Properties of Wheat Grains (Triticum aestivum L) as Affected by Gaseous Ozonation’, International Journal of Food Properties, 19(12), pp. 2739–2749. doi: 10.1080/10942912.2016.1144067.